O Brasil foi recentemente sacudido pela revelação de um gigantesco esquema de descontos ilegais nas aposentadorias. Uma operação conjunta da Polícia Federal e da CGU – batizada de “Sem Desconto” – estima que, entre 2019 e 2024, pelo menos R$ 6,3 bilhões foram descontados indevidamente dos contracheques de pensionistas e aposentados. Esses recursos foram destinados a associações e sindicatos suspeitos, que conseguem “falsificar a maioria das assinaturas de aposentados e pensionistas” para autorizar cobranças mensais.
O esquema é, nas palavras da própria BBC, “uma fraude bilionária … que pode ter roubado centenas de milhares de aposentados” por descontos não autorizados. Estima-se, inclusive, que mais de 9 milhões de beneficiários do INSS podem ter sido vítimas dessas cobranças indevidas. Em muitos casos, pessoas idosas e vulneráveis viram seus parcos proventos comprometidos sem sequer saber que tinham autorizado qualquer associação. Até agora, essa extorsão silenciosa só veio à tona após denúncias na mídia e as investigações federais – um estrondo escandaloso sobre uma parcela da população que mal consegue pagar suas contas básicas.
Os beneficiários lesados reclamam que, nas folhas de pagamento, apareceram descontos por “assinatura” a entidades de aposentados sem consentimento. As apurações indicam que entidades de classe cobravam mensalidades de aposentados em troca de serviços, como convênios médicos ou jurídicos, mas sem a autorização dos segurados. De fato, a Controladoria-Geral da União (CGU) constatou que quase todos esses descontos eram irregulares: boa parte das assinaturas foi falsificada pelas próprias associações.
Segundo levantamento do governo, entre 2019 e 2024 foram lançados mais de R$ 6,3 bilhões em “descontos associativos” na folha do INSS – montante que chegou a cerca de R$ 8 bilhões se consideradas cobranças desde 2016. O golpe, portanto, tem dimensão bilionária e mira justamente o público mais frágil: aposentados e pensionistas que dependem integralmente de seus benefícios. Em meio à consternação pública, a reação oficial foi morna.
Até aqui, poucas pessoas foram identificadas ou punidas, gerando uma forte sensação de impunidade. A Justiça adotou medidas cautelares apenas para afastar servidores do INSS ligados ao caso, mas os principais nomes por trás da fraude permanecem desconhecidos. Não houve ainda indiciamentos amplos nem devoluções concretas. A investigação policial já alcançou 11 entidades e cumpriu 211 mandados judiciais, mas a maioria dos pagamentos ilícitos segue inexplicada.
Apesar da gravidade do escândalo, o governo de Luiz Inácio Lula da Silva mostrou-se surpreendentemente sereno – e mais interessado em um jogo político do que em apressar as apurações. O próprio presidente chegou a afirmar, em viagem oficial à Rússia, que as investigações na Polícia Federal e na CGU já estão “indo a fundo para chegar no coração da quadrilha” e indicou como prioridade apurar supostos responsáveis da gestão anterior. Em palavras de Lula: “descobriram uma quadrilha que estava montada desde 2019 … vocês sabem quem governava o Brasil em 2019”, deixando claro que pretende atribuir o caso à era Bolsonaro.
Nos discursos oficiais, o governo retrata o caso como um crime contra os aposentados e garante que as vítimas serão ressarcidas. A estratégia de comunicação de Lula, segundo a imprensa, foi “unificar o discurso e afirmar que a fraude não era no INSS, mas sim contra os aposentados, e que será firmemente reprimida” – enquanto se procura culpar o governo anterior pelo problema.
Na prática, porém, as promessas ainda não têm concretização. O ministro da Fazenda Fernando Haddad reconheceu que haverá devolução do dinheiro desviado, mas admitiu que “ainda não se sabe de onde sairão os recursos para esse reembolso”. O novo presidente do INSS sinalizou que, se necessário, fundos do Tesouro Nacional poderão ser usados para ressarcir as vítimas, o que significa transferir o prejuízo para os cofres públicos.
Até o momento, o governo limitou-se a dizer que os aposentados “serão ressarcidos integralmente” e que vai formular um plano de devolução – mas ainda não explicou como fará isso nem acionou de fato os eventuais responsáveis pelas associações fantasmas. Esse silêncio nos detalhes alimenta a impressão de que as autoridades dão mais valor a uma disputa de narrativas políticas do que à punição dos culpados. Em vez de "fazer pirotecnia", como disse Lula, os aposentados esperam ver ação concreta contra os fraudadores e seus financiadores, e não apenas propaganda sobre quem “comandava o Brasil em 2019”.
É preciso lembrar que as sombras do passado legislativo chegam ao presente. Em junho de 2019 o governo de Jair Bolsonaro sancionou a MP 871/2019, que estabelecia regras mais duras para combater fraudes nos benefícios do INSS, como exigir autorizações válidas e revalidações periódicas. Entretanto, esse esforço foi diluído no Congresso. Conforme reportagem da CNN Brasil, durante a tramitação da MP foram aprovadas emendas que ampliaram o prazo de revalidação de um para três anos, já a partir de 2021. E em agosto de 2022, com apoio de grande parte da base aliada do governo Lula, uma nova medida revogou por completo esse mecanismo de revisão.
Em outras palavras, o próprio Parlamento revogou em 2022 as travas que Bolsonaro havia sancionado dois anos antes – flexibilizando o controle sobre os descontos. A CGU já advertiu que “mudanças legislativas para afrouxar a fiscalização sobre as entidades, em 2019 e 2022, e a falta de ação da autarquia contra fraudes ao longo dos mandatos dos três presidentes contribuíram para a explosão de casos”.
Portanto, ao mesmo tempo em que Lula procura pintar o INSS como um legado da era Bolsonaro, seu próprio governo foi co-responsável pela debilidade das regras de controle. E agora, além da crise, sua gestão se limita a culpar o antecessor. Essa disputa de versões oculta um fato crítico: o esquema cresceu sob os seus olhos. Para resumir o absurdo, nas palavras de líderes da oposição, trata-se de um “dos episódios mais sórdidos e revoltantes” da Previdência, um verdadeiro “assalto institucionalizado” contra quem dedicou a vida ao trabalho.
O escândalo do INSS expõe uma cruel contradição: quem deveria proteger os mais frágeis acabou vitimando exatamente aposentados e pensionistas. E o desfecho até agora é decepcionante. O governo Lula manteve o silêncio sobre como repor os bilhões desviados aos cofres públicos, focando mais em escalar culpas políticas do que em responsabilizar quadrilhas ou recuperar ativos. Entre promessas vagas de ressarcimento e negociações nos bastidores, prevalece a sensação de que tudo acabará em apenas mais um capítulo sem punições efetivas.
Enquanto isso, o Brasil assiste frustrado à troca de acusações e à inação administrativa – e são os aposentados, enfim, que têm de arcar com o custo da ambiguidade do poder. Se há algo urgente a ser feito é romper esse ciclo de impunidade: a retenção de descontos deve ser coibida com rigor, os fraudadores punidos exemplarmente, e cada centavo devolvido às vítimas. Deixar que essa fraude seja engolida pela política é, de fato, trair os que mais precisam do Estado.
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